No meio da tarde Path acordou de
um sonho, estava pensando em tirar apenas um cochilo depois do almoço delicioso
que Elvira, sua secretaria, havia preparado com tanto esmero. Ervilhas tortas
com purê de batatas, seu prato preferido. Todas as quintas-feiras Elvira
prepara essa iguaria, juntamente com a sobremesa de arroz doce, lembranças de
sua infância.
Ficou combinado desde que ela
veio trabalhar em sua casa, um cardápio escolhido por ambas, porém sempre
repetido nos mesmos dias da semana. Era uma característica de sua
personalidade repetir e criar uma rotina.
No entanto naquele dia o que era
para ser uma pequena soneca, de apenas alguns minutos, se transformara em sono
profundo, do qual ela só despertou perto das 16:000hs de uma tarde ensolarada e
quente.
Acordou com um gosto de
manjericão na boca e a experiência vivida em sonho por todo seu corpo. Quando adormeceu sentiu
que um leve torpor provocado pelo calor, a levava até um caminho entre árvores
as margens de um estreito riacho. Tudo normal até que ela começou a ouvir um
canto indígena e ao longe um corpo foi se delineando. Uma linda figura de uma
índia com um bebê preso junto as costas por uma esteira fina e colorida de
palha lustrosa.
Aquele vulto agora se mostrava
por inteiro, com cheiro, cor e textura de gente, cabelos negros e dentes
brancos com o rosto pintado de preto e vermelho. A índia com gesto caloroso e
acolhedor a convidava a seguir com ela pelas margens do pequeno riacho.
Foi caminhando mansamente e
cantando aquela canção suave e doce como uma cantiga de ninar. Em pequena
piscina formada por pedras e florzinhas brancas de um arbusto que rodeava por
toda margem, a índia sem parar de cantar a convidou a tirar suas roupas e
mergulhar no raso riacho, ela não hesitou, respondeu com um sorriso e um
pensamento, era assim que o diálogo entre elas acontecia, pensamento e
sentimento, uma bela maneira de conversar.
Tirou a roupa e foi colocando os
pés devagarinho sentindo a temperatura fresca da agua límpida do riacho.
Mergulhou e sentiu todos os
átomos de seu corpo vivos, uma gostosa sensação de poder sem posses adentrava
seu coração e sua alma.
Sem perder aquela voz inebriante
ficou boiando e olhando para o azul celeste do céu aberto sobre seu corpo. Sua
alma integrou-se de tal forma que por instantes pensou ser aqueles peixinhos
que mordiscavam suas pernas.
Quando se fundia a agua e a
natureza outra música chamou por ela. Agora um índio bem velho a convidava para
adentrar uma grande oca...Assim com o corpo molhado e nu ela sentou-se no chão
de terra batida ao redor de uma pequena fogueira, fechou os olhos e sobre a
influência da música começou a ouvir as batidas de seu coração, em seguida
sentia sua respiração como o único elo que a prendia a seu corpo. Sentiu a
presença de animais e pessoas naquele ambiente, cheiro de frutas e plantas. Ela
se voltou para dentro de si e pode se ter por inteira.
Não sentiu medo, sabia que não ia
se perder, estava encontrando com sua alma. O índio dava voltas ao seu redor
e cantando assoprava uma fumaça grossa e cheirosa sobre ela fazendo uma limpeza
em sua aura.
Foi um estalar de dedos e ela
sentiu que estava em outro espaço outra dimensão, desta vez mais de um índio,
um grupo de cinco entre homens mulheres e crianças. O local era uma caverna com
linda cachoeira, eles cantavam e continuavam limpando e curando seu campo
energético, foi quando ela começou a sentir como eles se sentiam, seres humanos
sem nenhum stress, sem angustias, sem desejos, sem vaidades…eles estavam apenas
conectados ao presente, inteiros, sem passado ou sem futuro, estavam lá assim como
a água, a terra, as plantas... "inteiros"
Ligada a música começou a sentir
se assim também, inteira, conectada, apenas lá naquele recanto junto a si mesma. Sentiu a luz profunda e morna de seu amor
próprio com gosto de manjericão na boca e paz no coração.
Foi espreguiçando e olhou para o
relógio pensando em viver apenas aquele momento.
Tina coelho